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A “CACIMBA DO PADRE” EM FERNANDO DE NORONHA

terça-feira, setembro 12, 2006

LUÌS DA CÂMARA CASCUDO

A “CACIMBA DO PADRE” EM
FERNANDO DE NORONHA

Apresentação

Em 1888, chegava à ilha de Fernando de Noronha o padre FRANCISCO ADELINO DE BRITO DANTAS, natural do Campo Grande, ribeira do Upanema, província do Rio Grande do Norte. O reverendo padre fora assumir a capelania daquela ilha, designado pelo bispo de Olinda Recife.

O padre Francisco Adelino, legítimo homem do sertão Nordestino, pertencia a duas famílias tradicionais da nossa província: era ele neto de Manuel Antonio Dantas Correia e bisneto do coronel de ordenanças Caetano Dantas Correia, tronco dos Dantas seridoenses; e também neto de Manuel da Anunciação e Lira, patriarca da família Brito Guerra, da fazenda Jatobá, em Campo Grande. O padre Francisco Adelino era sobrinho, pela linha materna, do padre Francisco de Brito Guerra, vigário-colado do Caicó e senador vitalício do Império.

O acariense Manuel Antonio Dantas Correia, avô paterno de Francisco Adelino, deixou um manuscrito para a posteridade, descrevendo a operosidade engenhosidade dos moradores da ribeira do Acauã, no Acari, com vistas vencer os efeitos causados pelas secas. Tal relatório foi incluído pelo doutor Plelippe Guerra, em seu livro “Seccas contra a secca”.

Na convivência com a vida do campo, o jovem Francisco Adelino aprendera com os seus familiares a conhecer intimamente a terra sertaneja. A sobrevivência do sertanejo dependia de um conhecimento profundo da natureza, sem o qual poderia ele ser vencido pela agressividade do semi-árido nordestino.

Chegado à ilha de Fernando de Noronha, como dissemos, o padre Francisco Adelino preocupou-se com a situação em que se encontravam os habitantes dali (em sua maioria presos condenados pela justiça), em virtude de não existir naquela ilha nenhum manancial d’água potável, de boa qualidade.

Movido pela natural curiosidade de conhecer o território sob a sua responsabilidade pastoral, o padre Francisco Adelino adotou o hábito de realizar longos passeios pela ilha, até que um dia encontrou um trecho de terreno Sambaquixaba. Pareceu ao sacerdote, que ali poderia existir um manancial subterrâneo de água.

Conseguindo o auxilio de alguns presidiários, fornecido pela Administração da ilha, o revelando supervisionou os trabalhos de escavação do solo, em procura do lençol freático, que ele, com sua experiência de homem do sertão, achou possível ali existir.

Por vezes, o padre não se continha: de chapéu a cabeça e enxada na mão, ele se confundia com os trabalhadores, colaborando árduo trabalho de escavação. Finalmente, quando o posso já atingia a profundidade de quatorze metros, surgiu a tão esperada presença de água. O liquido, conforme ficou logo constatado, era de primeira qualidade, o que causou uma generalizada satisfação entre os moradores daquela ilha.

Como é natural, “batizaram” a descoberta com o nome de CACIMBA DO PADRE, ainda hoje existente em Fernando de Noronha.

O escritor Luis da Câmara Cascuda, em uma de suas Actas Diurnas, publicou no jornal A REPÚBLICA ( edição de 11 de outubro de 1939), o artigo intitulado “A Cacimba do Padre em Fernando de Noronha”, ora transcrito neste opúsculo, o qual permitirá ao leitor da atualidade tomar conhecimento da atuação do Pe. Francisco Adelino de Brito Dantas naquele Arquipélago.
Olavo de Medeiros Filho
29.07.96

A “CACIMBA DO PADRE” EM FERNANDO DE NORONHA

Quem visita Fernando de Noronha alude à CACIMBA DO PADRE como a melhor água existente na ilha. Tem 14 metros de profundidade e abastece toda vila, água de excelente sabor, informa Mário Melo (“Arquipélago de Fernando de Noronha “, p. 10 ) Olavo Dantas, no seu ótimo livro “Sob o Céu dos Trópicos” (p. 62 ) entra em detalhes: - Há em Fernando um poço – ou cacimba, como lá se denomina – que é conhecido por cacimba do Padre. Essa cacimba, que fornece a melhor água da ilha, fica situada no meio de um formoso bosque, que é um verdadeiro remanso virgiliano. E ainda: -Diz a lenda que o padre que há muitos anos fez cavar o poço, é visto de vez em quando a passear nas imediações da cacimba, talvez saudoso daquele ambiente de beleza e paz. (idem p. 63 ).

Poucos sabem que esse Padre era norte-rio-grandense e fundador de uma povoação em sua província. Chamava-se Francisco Adelino de Brito Dantas e nascera em Campo Grande no ano de 1825. Ordenou-se sacerdote a 23 de maio de 1851. Homem inteligente, curioso, em constante preocupação de movimento e de construções, em janeiro de 1867, ajudado pelos pequenos agricultores da ribeira do Upanema (ou Panema ) erigiu a Capela de Nossa Senhora da Conceição numa várzea deliciosa, à trinta quilômetros de Campo Grande determinante de uma futura fixação humana. Deram o nome de Rua da Palha embora o Padre Adelino tivesse denominado Conceição de Panema. Hoje é Vila de crescente renome, com escolas-reunidas (“Comandante Veras”) e oficialmente “Upanema “. O Padre Adelino como um velho semeador de cidades, deixou pegada definitiva na geografia política de sua terra.

Em meiados de 1870 viajou o Padre Adelino para Recife onde ficou residindo. Ai ensinava latim e francês. Vagando a capelania do presídio de Fernando de Noronha, o Padre candidatou-se. Era uma função pouco apetecida pelos seus companheiros de batina. Por algum tempo o preenchimento se fazia por sorte. Os padres não amavam aquela penitência terrível, numa pedra perdida no meio do mar. O Bispo, vendo a constante ausência de voluntários, recorria ao processo do acaso e o sorteado viajava como quem marcha para um sacrifício.

O Padre Adelino solicitou o lugar e o Bispo nomeiou-o imediatamente. Em Fernando de Noronha, o novo Capelão mandou erguer uma grande casa de taipa e percorria seus domínios detalhadamente, com aquele mesmo cuidado com que examinava os recantos do sertão norte-rio-grandense. A falta d’água na ilha era a primeira calamidade. Havia a cacimba de Atalaia, a cacimba da Biboca e a fonte do Mulungú, esta de água salobra mas aconselhada para as moléstias do fígado. Água boa, clara, leve, saborosa, só quando descia das nuvens, nos dias de chuva.

Padre Adelino tanto andou, tanto revirou, tanto olhou, que descobriu um veio d’água deliciosa. Mandou cavar quatorze metros numa vertical teimosa. Assistia o trabalho e ajudava, de enxada na mão, chapéu de palha á cabeça, animando a turma de sentenciados, escolhida para aquela obra de misericórdia. Em princípios de 1888 a cacimba a cacimba ficou pronta. Era, e continua sendo a melhor água da ilha. Não a batizou, mas os moradores e presidiários, numa consagração espontânea, começaram citando a fonte como a cacimba do padre. E ficou cacimba do padre, há mais de meio século.

Adoecendo gravemente, o padre-capelão obteve dispensa e voltou a Recife. Não melhorando, despediu-se dos amigos e regressou ao pequeno cantinho onde vivera. Campo Grande era vila do Triunfo. Em 18 de Agosto de 1893 faleceu padre Francisco Adelino de Brito Dantas.

Não deixou, de sua conhecida inteligência e saber, documentos expressivos. Ligou sua atividade a dois episódios simbólicos em sua vida de padre. Fundou uma povoação e descobriu uma fonte...


Jornal A REPÚBLICA, 11/10/1939
(Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte)

2 comentários:

Entretendo & Sinformando disse...

Muito legal essa matéria da Cacimba do padre porque resgata um passado muito remoto da nossa história.

Marina disse...

Muito legal

 
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